segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Financiamento do Ensino Superior: o ponto de inflexão?


 In  Público, 03 de março de 2016
Temos um sistema de ensino superior que recebe já mais de 40% dos jovens (20 anos) e que vai cumprir o objetivo da União Europeia de termos 40% de diplomados (faixa etária 30-34 anos) em 2020. Todos os sinais apontam para uma qualidade educativa comparável com o que de melhor há na Europa. Os resultados da investigação e da transferência de conhecimento para a sociedade também se ajustam aos padrões europeus mais maturados.
As opções oferecidas aos candidatos são bastante diversas, entre licenciaturas profissionalizantes politécnicas, licenciaturas ou mestrados integrados universitários e os cursos de Técnico Superior Profissional (TeSP) criados em 2014. Estes últimos ciclos de estudos, vocacionados para a entrada mais rápida na vida ativa, representam uma alternativa já consolidada na generalidade dos países europeus e da América do norte e espera-se que possam muito rapidamente atrair cerca de 10% da coorte de jovens que termina o secundário e também muitos ativos em primeiro acesso ou em regresso ao ensino superior para rapidamente reorientarem o seu percurso profissional.
Esta área de expansão do ensino superior é particularmente importante como resposta ao número crescente de jovens que terminam o ensino secundário, agora em escolaridade obrigatória, e que, tendo optado por uma via não académica, querem ir mais longe no seu percurso educativo. Os institutos politécnicos fizeram um excelente trabalho no lançamento destes cursos, criando uma vasta oferta, sempre muito próxima das necessidades de quadros intermédios nas suas regiões.
Como acontece noutros países, a elevada empregabilidade destes diplomados do ensino superior vai dar-lhes um forte reconhecimento social e será para muitos o início de um percurso que pode ir mais longe. Particularmente fora dos grandes centros urbanos, os institutos politécnicos e os autarcas viram imediatamente a importância deste novo formato de ensino superior para o desenvolvimento das suas regiões.
Anuncia-se agora um aumento de 2,6% no orçamento do ensino superior para 2016 e apresenta-se esta proposta como um ponto de inflexão na evolução das dotações públicas para este setor. Não houve portanto uma descontinuidade. Não foi alterado o ritmo de variação das dotações. Terá sido alterada uma segunda derivada que não é verificável de momento. O certo é que a dotação para as instituições mantém o valor do ano anterior.  
Constata-se, portanto, que foi usado um simples critério histórico para o rateio da dotação atribuída ao conjunto das universidades e institutos politécnicos públicos. Ora, esta estratégia penaliza as instituições que se tornaram mais eficientes ou que se desenvolveram nos anos mais recentes e não transmite quaisquer estímulos à melhoria. Os reitores de universidades e presidentes de institutos politécnicos têm desenvolvido grandes esforços para melhorar a qualidade dos serviços educativos prestados, para responder às necessidades sociais de educação e de investigação. Uma estratégia orçamental cega dificulta os esforços dos responsáveis para melhorar o desempenho das suas instituições e não dá quaisquer orientações de política educativa. Também a penalização imediata das instituições que apresentem algum desequilíbrio financeiro é injusta e imerecida porque resulta muitas vezes de causas fora do controlo da instituição e impossível de corrigir de imediato. Não era necessário.
A manutenção da dotação do ensino superior estava prevista no Programa de Estabilidade apresentado na Assembleia da República e transmitido a Bruxelas em Abril de 2015. O crescimento da Ação Social acompanha o que veio a acontecer já nos últimos anos e o que foi prometido aos estudantes em 24 de março de 2015 e inserido três meses depois no Regulamento de Bolsas de Estudo. A dotação agora proposta decorre desse processo. A continuidade merece um aplauso.
Recorde-se, porém, que o modelo de financiamento consensualizado com o CRUP e o CCISP na Primavera de 2015 dava a garantia de estabilidade e de previsibilidade das dotações. Demonstrava que em cinco anos deveria ser possível fazer convergir todas as instituições para o novo modelo com um esforço sério, mas sem quaisquer traumas. O crescimento do número de estudantes que estava previsto ajudaria à estabilização das instituições em maior dificuldade. Criavam-se estímulos a uma boa gestão e mecanismos de articulação da rede que têm sido pedidos por reitores, presidentes e muitos analistas.
O modelo incorporava uma componente de contratação plurianual com cada instituição que se assumiria plenamente terminado o período transitório. As instituições localizadas em regiões de menor dinamismo demográfico viram no modelo uma oportunidade para se integrarem serenamente num modelo nacional de financiamento onde o seu bom desempenho em ciclos curtos e licenciaturas mais bem desenhadas para a entrada no mercado de trabalho poderia dar-lhes a almejada estabilidade financeira. Tudo isto fica adiado.

José Ferreira Gomes,
Secretário de Estado com a tutela do Ensino Superior no XIX e XX Governos constitucionais



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