sexta-feira, 7 de julho de 2017

A torre de marfim



Temos celebrado bem o sucesso do desenvolvimento científico conseguido nos últimos anos (https://www.publico.pt/2017/04/05/ciencia/noticia/portugal-quase-no-top-ten-da-ciencia-europeia-1767644). Muitos passaram da certeza do naufrágio à euforia do sucesso num fechar e abrir de olhos. A verdade é que a Ciência foi protegida da correção orçamental e que se manteve o crescimento da produção científica ao longo dos anos de correção orçamental.  Uso os dados Scimago, http://www.scimagojr.com/countryrank.php?region=Western%20Europe e faço a correção ao número de documentos para o equivalente em 2010 para corrigir a inflação da base de revistas consideradas e alguma subida do número de publicações por autor e por ano em todo o mundo.
Neste indicador muito significativo, Portugal ultrapassou sucessivamente a Itália, a Grécia e, para enorme alegria e surpresa de muitos, a França e a Alemanha. Mesmo em relação ao Reino Unido, passamos de 21% para 84% nos últimos 20 anos. Portugal manteve o crescimento, enquanto a Irlanda e a Espanha tinham quebras visíveis a partir de 2011 e 2012.
Os indicadores de produção científica são muito importantes, mas o objetivo de uma política nacional de ciência tem de ser outro e talvez se encontre aqui a explicação para a surpresa do declínio aparente de alguns países. A assunção do retorno económico do investimento em ciência como objetivo último da política científica poderá ser ainda controverso. É certamente mais difícil de medir e mais difícil de atingir.

No entretanto, todos concordarão que o objetivo não pode ser a produção de artigos que ninguém lê. Por isso, as métricas de avaliação são hoje mais orientadas para o número de citações do que para o número de artigos. Não interessará comentar aqueles que fogem ao uso de qualquer métrica e pretendem orientar uma política nacional de ciência pelas impressões subjetivas de alguém, ainda que muito bem informado! A generalidade dos países baseia as suas políticas na evidência do impacto e a contagem das citações em geral ou das citações nas patentes submetidas são os indicadores mais comuns do êxito. Para Portugal, uma métrica da citação em patentes é ainda impossível pela incipiência do registo de patentes e pela quase inexistência de patentes portuguesas em exploração. Já a contagem geral de citações pode ser feita e dá uma medida do impacto que a ciência portuguesa já conseguiu na comunidade mundial. Infelizmente as notícias não são muito boas. Portugal não conseguiu sair do último lugar europeu e até parece cada vez mais isolado nessa zona de desconforto. Infelizmente, estamos muito longe do top ten da ciência europeia!
Será compreensível que uma comunidade relativamente jovem tenha alguma dificuldade em afirmar-se. Não deixa de ser preocupante que não pareça estar a atenuar a sua fragilidade. Mais grave é que as políticas de ciência não a queiram ver e se disponham a seguir um caminho que poderá agravar esta realidade.
Só muito recentemente, estava a aumentar o número de doutorados fora do sistema académico. Não é um processo fácil, mas só esses pioneiros poderão abrir a porta à colaboração da investigação académica com as empresas e outras organizações interessadas na inovação. Nos países que procuramos seguir, a maioria dos doutorados preferem uma carreira fora do sistema público de investigação por terem aí melhores expectativas de sucesso profissional apesar dos constrangimentos a que estarão sujeitos para atingir resultados sintonizados com os caprichos do mercado. Já aqui foi dito que a situação atual de muitos jovens investigadores é insustentável (http://maissuperior.blogspot.pt/2017/02/precarios-da-ciencia.html). Sabemos que o nosso tecido empresarial é frágil e que as PME tradicionais não têm capacidade para contratar doutorados, mas muitos começavam a encontrar o seu caminho e iriam contribuir para a desejada transformação do tecido produtivo. E iriam abrir o caminho para a contratação de muitos outros doutorados. A oferta de lugares à medida dos atuais pós-doc é indigno e vai diminuir o contributo que poderiam dar para o desenvolvimento do país. O nosso sistema de ensino superior precisa certamente de ser renovado regularmente, mas tem de ter condições para escolher os melhores. Para melhorarmos os indicadores e para que esses indicadores se reflitam num reforçado contributo para a riqueza de todos os portugueses, temos de melhorar a transparência do sistema de recrutamento e de avaliação.
O apoio ao desenvolvimento da economia será feito por instituições de investigação e de inovação bem focadas nas necessidades reais do país, tal qual ele é. O ensino superior já deu provas de que pode apoiar esse processo, mas não é dentro dos seus laboratórios e dentro da sua cultura académica que se vai dar essa transformação. Falhou em Portugal e falhou no resto da Europa. Não podemos distrair a competência jovem que criámos nos últimos anos para objetivos diferentes. Segundo as estatísticas oficiais, nos últimos anos a despesa empresarial em I&D caiu. Isto pode dever-se à forma de recolha dos dados já que havia resultados surpreendentes. Mas todos sabemos do percurso difícil das maiores empresas no ranking de despesa I&D. Temos os meios para recomeçar este caminho difícil de abertura da nossa comunidade científica às necessidades do nosso desenvolvimento. Não é seguro que queiramos. Ou talvez não saibamos como fazê-lo e seja mais fácil alimentar alguns grupos de pressão sempre disponíveis para aplaudir uma “boa política”.

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